Por que tia? Porque sou tia de muitos e vó só de dois, por isso não é o blog da Vovó Dedê. Aqui esvaziarei o coração quando estiver muito cheio; preencherei minhas noites insones; inicio algo concreto para o tempo de aposentada que se avizinha.
Desejo escrever meu dia-a-dia difícil e revisar com palavras e sonhos meu cotidiano e comunicar meu interior, vivido e experiente. Encontrar amigos, leitores, parentes aos quais oportunamente poderei homenagear.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Para os que não morreram

Preâmbulo:
Uma das coisas mais difíceis para nós é nos depararmos com a nossa finitude; é perder um ente querido de forma abrupta, inesperada e, para casais amorosos e apaixonados, mesmo os que praticam uma religião e têm fé, é ver interrompido um relacionamento que se configurava perfeito, eterno e feliz, por causa de uma fatalidade com o ser amado, por se acharem, de repente, cara a cara, com a morte, quando o amor ainda é puro, presente e, calorosamente, partilhado.
Se existe algo realmente democrático na vida, chama-se "morte"! Morrer é o ato mais democrático que eu conheço, vem para todos indistintamente. "Da morte ninguém escapa... nem o rei, nem a rainha, nem o papa..." (versinho de uma poesia que aprendi na infância)

Noutro dia eu lia no cabeleireiro numa das revistas espalhadas pela sala, uma entrevista com a atriz Fernanda Montenegro, que já passa, e muito, dos oitenta anos, onde ela dizia que só se deu conta de que ela também é finita quando da morte do seu companheiro de toda vida: Fernando Torres. E, olha que eles viveram um longo, intenso e frutuoso amor (dois filhos!). Não os conhecia na intimidade, nem conheço, e não sei (e nem é o caso saber) dos conflitos, das arestas, dos acertos, consertos (e dos concertos), pelos quais podem ter passado. O fato é que viveram juntos por longos anos. E, ela, só agora, se dá conta de que o seu momento final também está próximo (Deus queira que não, pois ainda demonstra certo vigor quando a vemos na telinha...).
De repente, a descoberta de uma doença terminal, um escorrego na lama, um tombo, uma bala perdida, um carro desgovernado, um motorista bêbado, uma pane num avião, uma tempestade inesperada ou uma curva desconhecida numa estrada molhada... arrebata PARA SEMPRE, o amor, o sonho, os planos, as promessas, o futuro...
Li também n’algum livro, que as águas de um mesmo rio jamais passam de novo no mesmo lugar. A vida, portanto, assim como as águas de um rio, não tem replay, não tem retorno, não se repete, (a repetição aqui é enfática!). Resta, assim aos pais, filhos, irmãos, viúvos e viúvas e aos parentes, conviverem com a resignação e a saudade.
Para os que têm fé, espiritualidade, religião enfim, há a certeza do reencontro na eternidade – nossa Jerusalém Celeste – e, lá, conforme a Bíblia, não há parentesco algum. Somos todos iguais, sem sexo, sem profissão, sem bens, tudo igual para todos!
Como eu dizia no meu preâmbulo, o pior para os jovens amantes é quando se deparam com a finitude. Quando a vida lhes apresenta o “gran finale” quando, para tal, não haviam se preparado (e que ninguém nunca, na cultura vigente, estará), quando sequer haviam cogitado a possibilidade de, quando o amor Eros era cheio de promessas, planos e paixões. Quando havia a certeza de um amor recíproco e, supostamente, duradouro...
O que fica?
Primeiro fica uma sensação de incredulidade “não é verdade!” e a dúvida: “ e se?”. Depois vem a corrida para os ultimatos finais, os ritos de cada um, de cada credo, cremação, enterro, homenagens, missa de corpo presente, missa de sétimo dia, conforme cada fé! Fé? É, fé! Fé que nesse momento às vezes se perde, às vezes se busca, às vezes se descobre, às vezes se fortalece... Resta ainda a certeza da impotência humana diante do fato consumado. A urgência da comunicação aos parentes e amigos e a desagradável convivência com o “nunca mais”.
Importante redescobrir, mesmo à custa de muita dor, que a vida aqui continua... O Sol nasce a cada 24 horas, dia após dia, ininterruptamente. Mesmo que nuvens pesadas encubram sua luz e diminua seu calor, todos sabemos que ele está lá e que depois de cada tempestade voltará a iluminar e aquecer, até o fim dos tempos ou até que nosso astro-rei tenha cumprido sua função e, também ele, se apague, se extinga para sempre!
Na vida há tempo para tudo: para semear, para colher... Há tempo para prantear nossos mortos e, sem dúvidas, há um tempo para entregá-los definitivamente ao Criador, uma vez que somos suas criaturas, d”Ele viemos e para Ele voltaremos, segundo Sua vontade, mesmo que nem sequer acreditemos nisso. (Sobre o tempo, cf. II Sam 11,27; também em Mat 21,34;41; Mar 13,33; Luc 20,10; I Ped 4,2; Apo 11,18-19 e muitos outros, na Bíblia)
Somos responsáveis perante nossos filhos pela continuidade, pela continuação e permanência da harmonia, da paz, da felicidade em nossa célula familiar, desse modo não podemos viver para sempre o luto dos amores que partiram...
É preciso fazer a entrega do amor finito, mesmo que seu peito ainda arda de paixão. E, mais que isso, é preciso olhar em volta. É preciso olhar pra dentro de si. Necessário se faz redescobrir o mundo em volta, sem o amor que partiu para sempre, quando havia tanto a viver, segundo as expectativas dos que sobrevivem.
Olhar para outros perfis, vislumbrar o novo amanhã, é o que se supõe previsível, saudável e normal para aqueles que podem ter a felicidade de testemunhar a alegria de ter tido um amor verdadeiro e inesquecível. Um amor entregue a Deus, de corpo e alma, um amor que ultrapassa qualquer explicação humana, porque se sublimou, fez-se transcendental e, por isso mesmo, dissipou-se, tornou-se eterno. Assim é que a finitude descoberta não alcança o eterno, razão porque um novo amor é plausível.
Então, aproveite o sorriso que é entregue a você, responda ao carinho que lhe foi ofertado, não diga não à vida que lhe é oferecida... Não se culpe nunca porque você não morreu e ainda está aqui e não ele ou ela. Não “brigue” com Deus, culpando-O ou buscando os “ses” e os “porquês”. A morte é somente nascer para sempre, ultrapassar o limiar que nos separa do Eterno. Sabe-se que “há mais entre o céu e a Terra do que pode supor nossa vã filosofia”, portanto não deixe a oportunidade passar. Enfrente sua saudade e sua dor afastando os pensamentos do que poderia ser se não tivesse sido, se não houvesse uma perda.
Depois de entregar seu amor para o Eterno Pai, é tempo de se entregar à sua missão na Terra, cumprir os desígnios de Deus para sua vida, que certamente não foram enterrados ou cremados num corpo que jaz num túmulo frio ou dissipou-se em cinzas. Um corpo que apesar de muito querido, não é mais uma pessoa e que, agora, numa outra forma de vida, não nos pertence mais. É tempo de começar a assinar e a homenagear “in memorian”. É tempo de acolher na sua vida o incompreensível, o inexplicável. É tempo de viver e não ter a “vergonha de ser feliz”. É tempo de deixar que “os mortos cuidem dos seus mortos” (Segue-me e deixa que os mortos enterrem os seus mortos - Mat 8,22). Enfim, é tempo de reconstruir o lar, amar uma nova pessoa, pois é saudável, é lícito e é preciso, uma vez que na eternidade seremos todos como irmãos (Como está escrito: Na eternidade os homens não terão mulheres, nem as mulheres maridos; mas serão todos os anjos de Deus no céu. Mat 22,30 ) e como eu ja disse: a vida não tem replay...

Um comentário:

Mirys Segalla disse...

Vale chorar, lendo seu blog?

É mesmo muito difícil constatar essa finitude... dá uma urgência em quem fica, de escrever, falar, fazer, demonstrar tudo o que teve a vida inteira para e não fez... Então, se demonstra àqueles que ficam. É o que resta a fazer...

Hoje ficou mais leve... mas esse "nunca mais" ou o "pra sempre" falam muito alto e são demasiadamnete pesados quando se acha que a vida inteira está pela frente...

Bjos e bençãos.
Mirys
www.diariodos3mosqueteiros.blogspot.com

OBS: chorei... se não valia, me desculpe!